30 dezembro 2007

Clair de lune

Claude Debussy




16 dezembro 2007

Non è un film

Articolo 31



Come Pesava Quello Zaino Sulle Spalle
Per la Strada Della Scuola E La Maturità.
Odiavo Ogni Professore Mi Illudevo
Fosse Una Minaccia Alla Mia Libertà.
Ed Ogni Sera Sopra Lo Schermo
Vedevo Eroi Della Mia Età.

E Io Di Certo Ero Diverso
Ma Ci Credevo In Una Vita Come Al Cinema
Ma Qui Non È Così
Non C'è Il Lieto Fine E Poi Il Buono Perde.

I Tatuaggi Fanno Male Anni Dopo Che Li Hai Fatti
Ma Per Quello Che Ricordano.
Hai Visto Amici Andarsene Prima Del Tempo
E Sei Sicuro Che Dall'alto Ti Proteggano
E Intanto Aspetti Il Colpo Di Scena
Quell'occasione Unica
Che Ti Sistema Ogni Problema
è Lei Che Ti Completerà.

Ma Qui Non È Così
La Trama è Inconsistente
L'Amore non è mai per sempre.

Lei Diceva "Non Lo So"
E Dopo Mi Stringeva Forte Ancora Un Pò
E Diceva Di Non Prenderla Così
"Nasce Cresce Poi Finisce"
E Se Tradisce Ti Sarà Chiaro Che
La Vita Non È Un Film

Ho Il Dubbio Che La Mia Generazione
Muova Una Rivoluzione Immaginaria.
Doveva Essere Un Tramonto
E Il Bene In Trionfo Alla Fine Della Storia.
Ma Qui Non È Così L'immagine È Un Pò Scura
E Il Domani Fa Un Pò Paura.

Lei Diceva "Non Lo So"
E Dopo Mi Stringeva Forte Ancora Un Pò
Mi Diceva Di Non Prenderla Così
"Nasce Cresce Poi Finisce"
E Se Tradisce Ti Sarà Chiaro Che
La Vita Non È Un Film.

Ma Lei Diceva "Non Lo So"
E Dopo Mi Stringeva Forte Ancora Un Pò
Mi Diceva Di Non Prenderla Così
"Nasce Cresce Poi Finisce"
E Se Tradisce Ti Sarà Chiaro Che
La Vita Non È Un Film.

---

Não é um filme
Articolo 31

Como pesava a mochila que eu carregava
Pelo caminho da escola e da maturidade.
Odiava cada professor que me iludia
Como uma ameaça a minha liberdade.
E cada tarde sobre a tela
Eu via heróis da minha época.

E eu com certeza era diferente
Mas acreditava numa vida como a do cinema
Mas aqui não é assim
Não há o final feliz e o bom perde.

As tatuagens fazem mal, anos depois de tê-las ter feito
Mas por aquilo que elas recordam.
Ver os amigos partirem antes do tempo
E estar seguro que do alto eles te protegem
E ainda assim esperar o momento da virada
Aquela ocasião única em que
Todos os seus problemas serão resolvidos
E aquela que te completará.

Mas aqui não é assim
A trama é inconsistente
O amor não é nunca para sempre.

Ela dizia “eu não sei”
E depois de me apertar forte um pouco mais
Me dizia para não prendê-la assim
“Nasce, cresce, depois, acaba”
E se trair, a ti ficará claro que
A vida não é um filme.

Desconfio que minha geração
Mova uma revolução imaginária.
Devia ser um pôr-do-sol
E o triunfo do bem no fim da estória.
Mas aqui não é assim, a imagem é um pouco escura
E o amanhã dá um pouco de medo.

Ela dizia “eu não sei”
E depois de me apertar forte um pouco mais
Me dizia para não prendê-la assim
“Nasce, cresce, depois, acaba”
E se trair, a ti ficará claro que
A vida não é um filme.

Ela dizia “eu não sei”
E depois de me apertar forte um pouco mais
Me dizia para não prendê-la assim
“Nasce, cresce, depois, acaba”
E se trair, a ti ficará claro que
A vida não é um filme.

25 novembro 2007

De onde vem a calma

Los Hermanos (Marcelo Camelo)


De onde vem a calma daquele cara?
Ele não sabe ser melhor, viu?
Como não entende de ser valente
Ele não saber ser mais viril
Ele não sabe não, viu?
Às vezes dá como um frio
É o mundo que anda hostil
O mundo todo é hostil

De onde vem o jeito tão sem defeito
Que esse rapaz consegue fingir?
Olha esse sorriso tão indeciso
Tá se exibindo pra solidão
Não vão embora daqui
Eu sou o que vocês são
Não solta da minha mão
Não solta da minha mão

Eu não vou mudar não
Eu vou ficar são
Mesmo se for só não vou ceder
Deus vai dar aval sim
O mal vai ter fim
E no final assim calado
Eu sei que vou ser coroado rei de mim.

17 novembro 2007

Ultimatum

Maria Bethânia



Ultimatum
Álvaro de Campos

Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Fora.
Fora tu, Anatole-France, Epicuro de farmacopeia-homeopática, ténia-Jaurès do
Ancien-Régime, salada de Renan-Flaubert em louça do século dezassete,
falsificada!
Fora tu, Maurice-Barrès, feminista da Acção, Chateaubriand de paredes nuas,
alcoviteiro de palco da pátria de cartaz, bolor da Lorena, algibebe dos mortos dos outros, vestindo do seu comércio!
Fora tu, Bourget das almas, lamparineiro das partículas alheias, psicólogo de tampa de brasão, reles snob plebeu, sublinhando a régua de lascas os mandamentos da lei da Igreja!
Fora tu, mercadoria Kipling, homem-prático do verso, imperialista das sucatas, épico para Majuba e Colenso, Empire-Day do calão das fardas, tramp-steamer da baixa imortalidade!
Fora! Fora!
Fora tu, George-Bernard-Shaw, vegetariano do paradoxo, charlatão da sinceridade,
tumor frio do ibsenismo, arranjista da intelectualidade inesperada, Kilkenny-Cat de
ti próprio, Irish-Melody calvinista com letra da Origem-das-Espécies!
Fora tu, H. G. Wells, ideativo de gesso, saca-rolhas de papelão para a garrafa da
Complexidade!
Fora tu, G. K. Chesterton, cristianismo para uso de prestidigitadores, barril de
cerveja ao pé do altar, adiposidade da dialéctica cockney com o horror ao sabão
influindo na limpeza dos raciocínios!
Fora tu, Yeats da céltica-bruma à roda de poste sem indicações, saco de podres
que veio à praia do naufrágio do simbolismo inglês!
Fora! Fora!
Fora tu, Rapagnetta-Annunzio, banalidade em caracteres gregos, «D. Juan em
Pathmos» (solo de trombone)!
E tu, Maeterlinck, fogão do Mistério apagado!
E tu Loti, sopa salgada fria!
E finalmente tu, Rostand-tand-tand-tand-tand-tand-tand-tand!
Fora! Fora! Fora!
E se houver outros que faltem, procurem-nos por aí pra um canto!
Tirem isso tudo da minha frente!
Fora com isso tudo! Fora!
Ai! que fazes tu na celebridade, Guilherme-Segundo da Alemanha, canhoto maneta
do braço esquerdo, Bismarck sem tampa a estorvar o lume?!
Quem és tu, tu da juba socialista, David-Lloyd-George, bobo de barrete frígio feito de Union Jacks?!
E tu, Venizelos, fatia de Péricles com manteiga, caída no chão de manteiga para
baixo?
E tu, qualquer outro, todos os outros, açorda Briand-Dato. Boselli da incompetência
ante os factos todos os estadistas pão-de-guerra que datam de muito antes da
guerra! Todos! todos! todos! Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem
intelectual!
E todos os chefes de estado, incompetentes ao léu, barris de lixo virados para baixo à porta da Insuficiência da Época!
Tirem isso tudo da minha frente!
Arranjem feixes de palha e ponham-nos a fingir gente que seja outra!
Tudo daqui para fora! Tudo daqui para fora!
Ultimatum a eles todos, e a todos os outros que sejam como eles todos!
Senão querem sair, fiquem e lavem-se.

Falência geral de tudo por causa de todos!
Falência geral de todos por causa de tudo!
Falência dos povos e dos destinos — falência total!
Desfile das nações para o meu Desprezo!
Tu, ambição italiana, cão de colo chamado César!
Tu, «esforço francês», galo depenado com a pele pintada de penas! (Não lhe dêem muita corda senão parte-se!)
Tu, organização britânica, com Kitchener no fundo do mar mesmo desde o princípio da guerra!
(It ’s a long, long way to Tipperary and a jolly sight longer way to Berlin!)
Tu, cultura alemã, Esparta podre com azeite de cristismo e vinagre de
nietzschização, colmeia de lata, transbordamento imperialóide de servilismo engatado!
Tu, Áustria-súbdita, mistura de sub-raças, batente de porta tipo K!
Tu, Von Bélgica, heróica à força, limpa a mão à parede que foste!
Tu, escravatura russa, Europa de malaios, libertação de mola desoprimida porque
se partiu!
Tu, «imperialismo» espanhol, salero em política, com toureiros de sambenito nas
almas ao voltar da esquina e qualidades guerreiras enterradas em Marrocos!
Tu, Estados Unidos da América, síntese-bastardia da baixa-Europa, alho da açorda
transatlântica nasal do modernismo inestético!
E tu, Portugal-centavos, resto da Monarquia a apodrecer República, extrema-unção-enxovalho da Desgraça, colaboração artificial na guerra com vergonhas naturais em África!
E tu, Brasil, «república irmã», blague de Pedro-Álvares-Cabral, que nem te queria descobrir!
Ponham-me um pano por cima de tudo isso!
Fechem-me isso à chave e deitem a chave fora!
Onde estão os antigos, as forças, os homens, os guias, os guardas?
Vão aos cemitérios, que hoje são só nomes nas lápides!
Agora a filosofia é o ter morrido Fouillée!
Agora a arte é o ter ficado Rodin!
Agora a literatura é Barrès significar!
Agora a crítica é haver bestas que não chamam besta ao Bourget!
Agora a política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência!
Agora a religião é o catolicismo militante dos taberneiros da fé, o entusiasmo
cozinha-francesa dos Maurras de razão-descascada, é a espectaculite dos
pragmatistas cristãos, dos intuicionistas católicos, dos ritualistas nirvânicos,
angariadores de anúncios para Deus!
Agora é a guerra, jogo do empurra do lado de cá e jogo de porta do lado de lá!
Sufoco de ter só isto à minha volta!
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas!
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!

Álvaro de Campos. Revista “Portugal Futurista” , N.º 1 e único - pp. 30-34

15 novembro 2007

Esta velha angústia

Álvaro de Campos


Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

---

Imagem: "O grito", Edvard Munch.

10 novembro 2007

Pirambaba



05 novembro 2007

É de lágrima


Los Hermanos
Composição: Marcelo Camelo

É de lágrima
Que faço o mar pra navegar
Vamo lá!
Eu não vi, não, final
Sei que o daqui
Teimou de vir, tenaz assim
Feito passarim

É de mágica
Que eu dobro a vida em flor
Assim!
E ao senhor de iludir
Manda avisar, que esse daqui
Tem muito mais amor pra dar

24 outubro 2007

Retrato

Cecília Meireles

























Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias, e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida
a minha face?



MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.

Imagem: Van Gogh, Old man in sorrow (on the threshold of eternity), Abril-maio de 1890.

15 outubro 2007

George Carlin

13 outubro 2007

A estupidez humana não tem limites

"Only two things are infinite, the universe and human stupidity, and I’m not sure about the former."

-- Albert Einstein, Cientista (1879-1955)

30 setembro 2007

Maná, maná

The Muppets



Para a camarada Anna Raíssa, especialista e pós-doutorada em "Maná, maná".

25 setembro 2007

Agosto

Perturbazione



Agosto

è il mese più freddo dell’anno
L’inverno si sposta sei mesi in avanti
e non è il polo sud
qui non è il polo sud

Agosto
La sveglia che rompe il silenzio
Qualcuno è in vacanza
e lei suona per ore
che freddo che fa

Agosto
ti affacci su un cuore malato
le cinque di sera ed è già buio pesto
l’inverno d’agosto

Il ghiaccio
si posa e ricopre le cose
l’attesa del caldo congela anche i morti
che freddo che fa

Se non è vero che hai paura
non è vero che ti senti solo
non è vero che fa freddo
allora perché tremi in questo agosto?

Agosto
è scritto sul tuo calendario
forse hai dormito sei mesi
ma sei così stanco
tanto stanco

Agosto
è il mese più freddo dell’anno
nell’altro emisfero lo chiamano inverno
l’agosto

15 setembro 2007

Calvin and Hobbes



http://www.gocomics.com/calvinandhobbes/2007/09/12/

09 setembro 2007

Stephanie says

The Velvet Underground



Stephanie says that she wants to know
Why she's given half her life, to people she hates now
Stephanie says when answering the phone
What country shall I say is calling from across the world

But she's not afraid to die, the people all call her Alaska
Between worlds so the people ask her 'cause it's all in her mind
It's all in her mind

Stephanie says that she wants to know
Why it is though she's the door She can't be the room

Stephanie says but doesn't hang up the phone
What sea shell she is calling from across the world

But she's not afraid to die, the people all cal her Alaska
Between worlds so the people ask her 'cause it's all in her mind
It's all in her mind

She asks you is it good or bad
It's such an icy feeling it's so cold in Alaska,
it's so cold in Alaska, it's so cold in Alaska

29 agosto 2007

This is just a modern rock song



This Is Just A Modern Rock Song
Belle & Sebastian

Emma tried to run away,
I followed her across the city,
She went out to the Easterhouse,
Because she liked the sound of it.

She didn't have a single penny,
She stuck a finger in the air,
She tried to flag down an aeroplane,
I suppose she needs a holiday.

I put my arm around her waist,
She put me on the ground with Judo,
She didn't recognise my face,
She wasn't even looking.

Laura's feeling just ideal,
Her horoscope was nearly perfect,
She's thinking of something to do,
Because she is The Birthday Girl.

She walked out to the edge of town,
She saw me lying in the park,
She took Emma by the hand,
They've got a lot in common.

I'll leave them to do what they want,
I'll leave them to do what they need to,
I'll go and play with words and pictures,
I'll admit I'm feeling strange.

I'm not as sad as Doestoevsky,
I'm not as clever as Mark Twain,
I'll only buy a book for the way it looks,
And then I stick it on the shelf again.

Now I could tell you what I'm thinking,
But it never seems to do you good,
It's beyond me what a girl can see,
I'm only lucid when I'm writing songs.

This is just a modern rock song,
This is just a sorry lament,
We're four boys in corduroys,
We're not terrific but we're competent.

Stevie's full of good intentions,
Richards into rock 'n' roll,
Stuart's staying in and he thinks it's a sin,
That he has to leave the house at all.

This is just a modern rock song,
This is just a tender affair,
I count "three, four" and then we start to slow,
Because a song has got to stop somewhere.


Esta é apenas uma canção de rock moderna
Belle & Sebastian

Emma tentou fugir,
Eu a segui pela cidade,
Ela foi para a Esterhouse,
Porque ela gosta do modo como isso soa.

Ela não tinha sequer um centavo,
Ergueu seu dedo no ar
E tentou sinalizar para um avião,
Eu acho que ela precisa de um feriado.

Eu a abracei pela cintura,
Ela me derrubou com o judô,
Ela não reconheceu meu rosto,
E sequer estava olhando.

Laura estava se sentindo ideal,
Seu horóscopo era quase perfeito,
Ela está pensando em fazer algo,
Porque ela é a aniversariante.

Ela caminhou até os limites da cidade,
E me viu no parque,
Ela tomou Emma pela mão,
Elas têm muito em comum.

Eu as deixarei para que façam o que querem,
Eu as deixarei para que façam o que precisam,
Vou brincar com palavras e retratos,
Eu admito que me sinto estranho.

Eu não sou tão triste quanto Dostoiévski,
Eu não sou tão esperto quanto Mark Twain,
Eu só compro um livro pela aparência,
E aí o coloco na estante novamente.

Eu poderia lhe dizer agora o que estou pensando,
Mas isso nunca parece lhe fazer bem,
Está além de mim o que uma garota pode ver,
Eu só estou lúcido quando escrevo canções.

Esta é apenas uma canção de rock moderna
É apenas um lamento de pesar,
Somos quatro rapazes vestindo corduroy,
Não somos excepcionais, mas somos competentes.

Stevie é cheio de boas intenções,
Richard está nessa de rock ‘n’ roll,
Stuart ainda faz parte e acha que é um pecado,
Que ele tenha que abandonar a casa de uma vez.

Esta é apenas uma canção de rock moderna,
É apenas caso de ternura,
Eu conto “três, quatro” e então nós começamos desacelerar,
Porque uma canção tem que acabar em algum lugar.

23 agosto 2007

Turn the page (sem cortes)

Metallica

30 julho 2007

Here comes your man

The Pixies

21 julho 2007

Passagem das Horas

Álvaro de Campos



Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente
Yat-iô--ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô ... Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
Tempestades em torno ao Guardaful...
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...

Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.

A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta estrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta saciedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir...
Tão decadente, tão decadente, tão decadente...
Só estou bem quando ouço música, e nem então.
Jardins do século dezoito antes de 89,
Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira?

Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo,
A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai.

Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na província,
Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...

Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
Só humanitariamente é que se pode viver.
Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos,
Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver.
Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!

Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.

Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.
Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
Mágoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo.
Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
Irmã mais velha, virgem e triste, das idéias sem nexo,
Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
A direção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida...

Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim.

Por isso sê para mim materna, ó noite tranqüila...
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
Tu que não existes, que és só a ausência da luz,
Tu que não és uma coisa, rim lugar, uma essência, uma vida,
Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão,
Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa,
Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, o noite, sobre a minha fronte...
'Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho,
Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva...
Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem...

Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,
(No mesmo abraço comovido)
O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,
O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,
E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,
O ladrão de estradas, o salteador dos mares,
O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas —
Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.

Beijo na boca todas as prostitutas,
Beijo sobre os olhos todos os souteneurs,
A minha passividade jaz aos pés de todos os assassinos
E a minha capa à espanhola esconde a retirada a todos os ladrões.
Tudo é a razão de ser da minha vida.

Cometi todos os crimes,
Vivi dentro de todos os crimes
(Eu próprio fui, não um nem o outro no vicio,
Mas o próprio vício-pessoa praticado entre eles,
E dessas são as horas mais arco-de-triunfo da minha vida).

Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.

Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.

Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte, todos os como que esquecidos,
E todos os pederastas - absolutamente todos (não faltou nenhum).
Rendez-vous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!

(Freddie, eu chamava-te Baby, porque tu eras louro, branco e eu amava-te,
Quantas imperatrizes por reinar e princesas destronadas tu foste para mim!)
Mary, com quem eu lia Burns em dias tristes como sentir-se viver,
Mary, mal tu sabes quantos casais honestos, quantas famílias felizes,
Viveram em ti os meus olhos e o meu braço cingido e a minha consciência incerta,
A sua vida pacata, as suas casas suburbanas com jardim,
Os seus half-holidays inesperados...
Mary, eu sou infeliz...
Freddie, eu sou infeliz...
Oh, vós todos, todos vós, casuais, demorados,
Quantas vezes tereis pensado em pensar em mim, sem que o fósseis,
Ah, quão pouco eu fui no que sois, quão pouco, quão pouco —
Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo,
Ó meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento,
Ó parte externa de mim perdida em labirintos de Deus!

Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro,
E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim ...
Meu coração tribunal, meu coração mercado,
Meu coração sala da Bolsa, meu coração balcão de Banco,
Meu coração rendez-vous de toda a humanidade,
Meu coração banco de jardim público, hospedaria,
Estalagem, calabouço número qualquer cousa
(Aqui estuvo el Manolo en vísperas de ir al patíbulo)
Meu coração clube, sala, platéia, capacho, guichet, portaló,
Ponte, cancela, excursão, marcha, viagem, leilão, feira, arraial,
Meu coração postigo,
Meu coração encomenda,
Meu coração carta, bagagem, satisfação, entrega,
Meu coração a margem, o lirrite, a súmula, o índice,
Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu coração.

Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro,
Atravessaram a rua, ao meu braço, todos os velhos e os doentes,
E houve um segredo que me disseram todos os assassinos.

(Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu não tenho,
Em cujo baixar-de-olhos há uma paisagem da Holanda,
Com as cabeças femininas coiffées de lin
E todo o esforço quotidiano de um povo pacífico e limpo...
Aquela que é o anel deixado em cima da cômoda,
E a fita entalada com o fechar da gaveta,
Fita cor-de-rosa, não gosto da cor mas da fita entalada,
Assim como não gosto da vida, mas gosto de senti-la ...

Dormir como um cão corrido no caminho, ao sol,
Definitivamente para todo o resto do Universo,
E que os carros me passem por cima.)

Fui para a cama com todos os sentimentos,
Fui souteneur de todas ás emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
A cadela a uivar de noite,
O tanque da quinta a passear à roda da minha insônia,
O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,
A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,
Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,
Ó fome abstrata das coisas, cio impotente dos momentos,
Orgia intelectual de sentir a vida!

Obter tudo por suficiência divina —
As vésperas, os consentimentos, os avisos,
As cousas belas da vida —
O talento, a virtude, a impunidade,
A tendência para acompanhar os outros a casa,
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.

Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.

Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
E amar as coisas como Deus.

Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário,
Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
Que a dor real das crianças em quem batem
(Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem —
E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?)
Eu, enfim, que sou um diálogo continuo,
Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre,
Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
E faz pena saber que há vida que viver amanhã.
Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
As leis irrepreensíveis da Vida,
Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...
Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
Sem personalidade com valor declarado,
Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria
Porqtie não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,

Como uma frase escrita por um doente no livroda rapariga que encontrou no terraço,
Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico,
Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos,
Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea,
Eu, a criança no carro, que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos.
Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina
Coada através das árvores do jardim público,
Eu, o que os espera a todos em casa,
Eu, o que eles encontram na rua,
Eu, o que eles não sabem de si próprios,
Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma,
O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre,
O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros,
A cicatriz do sargento mal encarado,
O sebo na gola do explicador doente que volta para casa,
A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre,
E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)...
Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas,
Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre,
Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo,
O sacana do José que prometeu vir e não veio
E a gente tinha uma partida para lhe fazer...
Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem,
E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas...
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de ttido isto,
E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa...
Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como uma camponesa madrinha,
E uso monóculo para não parecer igual à idéia real que faço de mim,
Que levo às vezes três horas a vestir-me e nem por isso acho isso natural,
Mas acho-o metafísico e se me batem à porta zango-me,
Não tanto por me interromperem a gravata como por ficar sabendo que há a vida...
Sim, enfim, eu o destinatário das cartas lacradas,
O baú das iniciais gastas,
A entonação das vozes que nunca ouviremos mais -
Deus guarda isso tudo no Mistério, e às vezes sentimo-lo
E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo.
A Brígida prima da minha tia,
O general em que elas falavam - general quando elas eram pequenas,
E a vida era guerra civil a todas as esquinas...
Vive le mélodrame oú Margot a pleuré!
Caem as folhas secas no chão irregularmente,
Mas o fato é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente,
há só um caminho para a vida, que é a vida...

Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos,
Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais,
E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo.

Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
Não me subordino senão por atavisnio,
E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.

Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades
Acessíveis à imaginação
Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.

No automóvel amarelo a mulher definitiva de alguém passa,
Vou ao lado dela sem ela saber.
No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado,
Mas antes de o encontro deles lá estar já eu estava com eles lá.
Não há maneira de se esquivarem a encontrar-me,
Não há modo de eu não estar em toda a parte.
O meu privilégio é tudo
(Brevetée, Sans Garantie de Dieu, a minh'Alma).

Assisto a tudo e definitivamente.
Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim,
Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira,
Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso,
Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinqüenta
Que não seja para mim por uma galantaria deposta.

Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todos os dias têm essa janela por diante,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.

Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta,
Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo,
Cavalgada por cima do espaço, salto por cima do tempo,
Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido
Por dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes.
Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstrata e louca,
Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida,
Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,
E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.

Ho-ho-ho-ho-ho!...
Cada vez mais depressa, cada vez mais com o espírito adiante do corpo
Adiante da própria idéia veloz do corpo projetado,
Com o espírito atrás adiante do corpo, sombra, chispa,
He-la-ho-ho ... Helahoho ...

Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo...
A seiva da seiva das árvores é a mesma energia que mexe
As rodas da locomotiva, as rodas do elétrico, os volantes dos Diesel,
E um carro puxado a mulas ou a gasolina é puxado pela mesma coisa.

Raiva panteísta de sentir em mim formidandamente,
Com todos os meus sentidos em ebulição, com todos os meus poros em fumo,
Que tudo é uma só velocidade, uma só energia, uma só divina linha
De si para si, parada a ciciar violências de velocidade louca...
Ho ----

Ave, salve, viva a unidade veloz de tudo!
Ave, salve, viva a igualdade de tudo em seta!
Ave, salve, viva a grande máquina universo!
Ave, que sois o mesmo, árvores, máquinas, leis!
Ave, que sois o mesmo, vermes, êmbolos, idéias abstratas,
A mesma seiva vos enche, a mesma seiva vos torna,
A mesma coisa sois, e o resto é por fora e falso,
O resto, o estático resto que fica nos olhos que param,
Mas não nos meus nervos motor de explosão a óleos pesados ou leves,
Não nos meus nervos todas as máquinas, todos os sistemas de engrenagem,
Nos meus nervos locomotiva, carro elétrico, automóvel, debulhadora a vapor

Nos meus nervos máquina marítima, Diesel, semi-Diesel,
Campbell, Nos meus nervos instalação absoluta a vapor, a gás, a óleo e a eletricidade,
Máquina universal movida por correias de todos os momentos!

Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
Todas as auroras raiam no mesmo lugar:
Infinito...
Todas as alegrias de ave vêm da mesma garganta,
Todos os estremecimentos de folhas são da mesma árvore,
E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar
Vão da mesma casa para a mesma fábrica por o mesmo caminho...

Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra,
Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sóis, noturna,
Rola no espaço abstrato, na noite mal iluminada realmente
Rola ...

Sinto na minha cabeça a velocidade de giro da terra,
E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato,
Para inencontrável, Ali sem restrições nenhumas,
A Meta invisível — todos os pontos onde eu não estou — e ao mesmo tempo ...

Ah, não estar parado nem a andar,
Não estar deitado nem de pé,
Nem acordado nem a dormir,
Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
Resol,,,er a equação desta inquietação prolixa,
Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas ...

Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho

Cavalgada alada de mim por cima de todas as coisas,
Cavalgada estalada de mim por baixo de todas as coisas,
Cavalgada alada e estalada de mim por causa de todas as coisas ...

Hup-la por cima das árvores, hup-la por baixo dos tanques,
Hup-la contra as paredes, hup-la raspando nos troncos,
Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la nas praias,
Numa velocidade crescente, insistente, violenta,
Hup-la hup-la hup-la hup-la ...

Cavalgada panteísta de mim por dentro de todas as coisas,
Cavalgada energética por dentro de todas as energias,
Cavalgada de mim por dentro do carvão que se queima, da lâmpada que arde,
Clarim claro da manhã ao fundo
Do semicírculo frio do horizonte,
Tênue clarim longínquo como bandeiras incertas
Desfraldadas para além de onde as cores são visíveis ...

Clarim trêmulo, poeira parada, onde a noite cessa,
Poeira de ouro parada no fundo da visibilidade ...

Carro que chia limpidamente, vapor que apita,
Guindaste que começa a girar no meu ouvido,
Tosse seca, nova do que sai de casa,
Leve arrepio matutino na alegria de viver,
Gargalhada súbita velada pela bruma exterior não sei como,
Costureira fadada para pior que a manhã que sente,
Operário tísico desfeito para feliz nesta hora
Inevitavelmente vital,
Em que o relevo das coisas é suave, certo e simpático,
Em que os muros são frescos ao contacto da mão, e as casas
Abrem aqu; e ali os olhos cortinados a branco...

Toda a madrugada é uma colina que oscila,
e caminha tudo

Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as pálpebras
E rumor tráfego carroça comboio eu sinto sol estruge

Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens —
Sol dos vértices e nos... da minha visão estriada,
Do rodopio parado da minha retentiva seca,
Do abrumado clarão fixo da minha consciência de viver.

Rumor tráfego carroça comboio carros eu sinto sol rua,
Aros caixotes trolley loja rua i,itrines saia olhos
Rapidamente calhas carroças caixotes rua atravessar rua
Passeio lojistas "perdão" rua
Rua a passear por mim a passear pela rua por mim
Tudo espelhos as lojas de cá dentro das lojas de lá
A velocidade dos carros ao contrário nos espelhos oblíquos das montras,
O chão no ar o sol por baixo dos pés rua regas flores no cesto rua
O meu passado rua estremece camion rua não me recordo rua

Eu de cabeça pra baixo no centro da minha consciência de mim
Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua
Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés
Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços
Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno,
Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua.
Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo.
Bater das fontes de estar vindo para cá ao mesmo tempo que vou para lá.
Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio!
Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele!
Automóvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te
Por todos os precipícios abaixo
E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração!

À moi, todos os objetos projéteis!
À moi, todos os objetos direções!
À moi, todos os objetos invisíveis de velozes!
Batam-me, trespassem-me, ultrapassem-me!
Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso!
A raiva de todos os ímpetos fecha em círculo-mim!

Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias,
Velocidade entra por todas as idéias dentro,
Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
Chamusca todos os ideais humanitários e úteis,
Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes,
Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado
Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas,
Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares,
Senhor supremo da hora européia, metálico a cio.
Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!

Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói,
Dec4ina dentro de mim o sol no alto do céu.
Começa a tender a entardecer no azul e nos meus nervos.
Vamos ó cavalgada, quem mais me consegues tornar?
Eu que, veloz, voraz, comilão da energia abstrata,
Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo,
Eu, que só me contentaria com calcar o universo aos pés,
Calcar, calcar, calcar até não sentir.
Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis,
Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou.

Cavalgada desmantelada por cima de todos os cimos,
Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poços,
Cavalgada vôo, cavalgada seta, cavalgada pensamento-relâmpago,
Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo — eu.
Helahoho-o-o-o-o-o-o-o ...

Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação ...

11 julho 2007

Belle and Sebastian


A Banda:

Belle and Sebastian
Formação: Glasgow, Escócia, janeiro de 1996

Stuart Murdoch: Vocais e guitarra
Stevie Jackson: Guitarra e vocais
Richard Colburn: Bateria
Mick Cooke: Trompete e guitarra
Sarah Martin: Violino e vocais
Chris Geddes: Teclados e piano
Bob Kildea: Baixo e guitarra

Stuart David: Baixo (até 2000)
Isobel Campbell: Violoncelo e vocais (até 2002)

Biografia:

A história do Belle & Sebastian é, no mínimo, fascinante. Um grupo de estudantes que, sem pretensão qualquer, virou febre no mundo alternativo. Hoje o culto pode até estar manjado, mas há três anos, o mais cool que você podia ser era ser fã do Belle & Sebastian. Afinal, eles não davam shows, muito menos entrevistas, seus discos eram raros. Bem, o culto continua, hoje em dia mais pelo som maravilhoso que estes escoceses tiram. Mas que é uma história fascinante, é.

Trabalho de escola

Tudo teve início quando Stuart Murdoch e Stuart David se encontraram assim, meio sem querer, e começaram a tirar um som juntos. Murdoch escrevia canções sem qualquer pretensão. Porém, precisaria de um trabalho para finalizar o curso na faculdade. Recrutaram uns amigos num café 24 horas, um por um. Estava formado o Belle & Sebastian (nome de dois personagens de uma série de livros infantis franceses): Murdoch, David, Isobel Campbell, Chris Geddes, Stuart Jackson e Richard Colburn. A banda gravou um single para o trabalho de Murdoch, principal vocalista da banda. Contentes e até surpreendidos com o bom resultado, resolveram gravar um disco inteiro. Em abril de 1996, lançaram o debut "Tigermilk", para poucas pessoas. Mil cópias, todas em vinil, o que torna essa edição uma raridade imperdível. Vendiam o disco em shows e distribuiam aos amigos. Tinham planos de gravar dois discos e se separarem. Porém, algo começou a acontecer. A crítica inglesa passou a endeusá-los, mas ninguém conseguia imagens ou entrevistas da banda, o que aumentou ainda mais o culto. Os escoceses receberam inúmeras propostas de gravadoras grandes, mas, com medo de perder a liberdade criativa, assinaram com a pequena Jeepster.

No começo de 1997, lançaram a obra-prima "If You're Feeling Sinister", ainda melhor que a estréia - e olha que era uma tarefa complicada. Além da Inglaterra, o culto começou a atingir proporções estratosféricas. Lançaram alguns singles e EPs e em 1998 veio o terceiro disco, "The Boy With The Arab Strap". Com tanta adoração e pressão da crítica, começaram a fazer mais shows e dar (algumas) entrevistas. Fizeram até vídeo-clipe. Algumas pessoas (mais radicais, por sinal) passaram a deixar de gostar da banda, simplesmente pela abertura de fronteiras. Ainda em 1998 saiu mais um EP, o "This Is Just A Modern Rock Song".

Já em 2000 lançam o EP "Legal Man", um pouco diferente dos anteriores. Ele foi uma provinha do que seria o lançamento seguinte: "Fold Your Hands Child, You Walk Like A Peasant", quarto álbum, lançado em junho. A reação da crítica e do público é que foi um disco um pouco mais comercial, mas ainda ótimo. Logo após, lançaram mais um clipe, agora para a música "The Wrong Girl". Nesta época, Stuart David deixou a banda e foi substituído por Bob Kildea. Para a felicidade tupiniquim, a gravadora brasileira Trama lançou os quatro discos da banda e os EPs, sendo alguns deles reunidos em uma caixinha.

Com o inédito sucesso comercial, a banda resolveu sair em turnê para outros lugares. Lançaram na metade de 2001 o single Jonathan David e vieram para o Brasil para participar do Free Jazz Festival, tornando-se a grande sensação do festival. Em 2002, o Belle and Sebastian lança o disco Storytelling, que serve como trilha sonora para o filme homônimo de Todd Solondz. Ao longo do trabalho, as músicas intercalam-se com diálogos tirados do filme.

Em 2002, o Belle and Sebastian fizerem shows pela Europa e Estados Unidos. No meio da turnê dos Estados Unidos, a vocalista Isobel deixou o grupo e resolveu seguir uma carreira solo, que parece ser muito mais eclética e estranha do que sua ex-banda. Ainda nesse ano, a banda deixou o selo Jeepster e resolveu assinar com a Rough Trade/Sanctuary. Em troca, o Belle and Sebastian deixou nas mãos da Jeepster o direito de lançar um DVD.

"Belle et Sebastien" também virou desenho animado. Belle é o cão montanhês; Sebastien, seu fiel dono.

No final de 2003, saiu o quinto álbum (ou sexto, se contarmos a trilha sonora), "Dear Catastrophe Waitress". Em janeiro de 2004, a Jeepster lançou o DVD "Fans Only", que cobre a carreira do Belle and Sebastian desde a época do "If You're Feeling Sinister" até o "Storytelling". A compilação ficou a cargo de Blair Young, e conta com entrevistas, partes de shows, bastidores, vídeos do início da mística carreira e aparições na TV.

Em 2005, é lançada a coletânea "Push Barman to Open Old Wounds", um álbum duplo contendo todas as músicas lançadas em EPs, e no começo do ano seguinte, novo LP, "The Life Pursuit", que dá sequência a influência da música dos anos 70 iniciada em "Dear Catastrophe Waitress".

Jonas Lopes
Atualizações: Fabricio Boppré e Natalia Vale Asari
Fonte: The dying days

Álbums:
Disco Ano
Tigermilk 1996 (Jeepster)
If You´re Feeling Sinister 1997 (Jeepster)
The Boy With The Arab Strap 1998 (Jeepster)
Fold Your Hands Child, You Walk Like A Peasant 2000 (Jeepster)
Dear Catastrophe Waitress 2003 (Rough Trade Records)
The Life Pursuit 2006 (Matador Records)
EPs e outros Ano
Dog On Wheels (EP) 1997 (Jeepster)
Lazy Line Painter Jane (EP) 1997 (Jeepster)
3...6...9 Seconds Of Light (EP) 1997 (Jeepster)
This Is Just A Modern Rock Song (EP) 1998 (Jeepster)
Legal Man (EP) 2000 (Jeepster)
Jonathan David (EP) 2001 (Jeepster)
Storytelling (trilha sonora) 2002 (Jeepster)
Push Barman to Open Old Wounds 2005 (Matador Records)

02 julho 2007

Push the tempo

Fatboy Slim

10 junho 2007

Dança secreta

Posted by Picasa

05 junho 2007

Segunda-feira blues

Quatro de maio de dois mil e sete. Unb, depois da aula de alemão. Resolvi estudar um pouco, pois não tenho feito muito disso nesse semestre. Como a biblioteca está fechada, por causa da greve dos funcionários, caminho pelo ICC em busca de uma sala vazia, mas não encontro. A Unb durante o dia é lugar ainda mais estranho do que de noite; os corredores estão sempre lotados de gente que não faz outra coisa senão existir em excesso no mundo.

Já que não encontro uma sala vazia, tento achar, ao menos, um lugar tranqüilo para ler um pouco. Ao lado da Faculdade de Comunicação há um banco vazio e, misteriosamente, o fluxo de pessoas não está tão grande quanto o do lado oposto. Decido ficar e pego um texto para ler. É uma crítica do Roberto Schwarz sobre que trata sobre a volubilidade do narrador machadiano.

Passam-se dois minutos e cinco meninas resolvem ocupar as vagas restantes do banco em que me sentei. Prossigo na leitura. Elas conversam sobre a vestimenta que usarão na formatura. Schwarz cita como exemplo da volubilidade o caso de D.Plácida, em Brás Cubas. Minhas vizinhas começam a se medir umas as outras.

O método utilizado por Machado de Assis, a narração totalmente parcial das situações, apresenta um painel dos costumes e da época muito mais efetivo do que as descrições “objetivas” dos escritores naturalistas, pois deixa perpassar pelo texto uma crítica social extremamente potencializada pela ironia do autor.

– Trinta centímetros de cintura!? Você come?? Nunca conheci alguém que medisse só trinta centímetros de cintura!!!

O retrato de D. Plácida, pintado por Machado de Assis, está próximo da crítica de Marx a respeito da visão materialista do trabalho.

– Minha bunda é muito grande... preciso de um número 50, pelo menos...

O espelhamento das posições sociais umas nas outras e na diversidade de estilos sociais históricos não desmancha a realidade das classes sociais, como pensam os puristas do ponto de vista popular.

– Gente, tô completando dois meses de namoro. E ainda tô apaixonada. O Caio é lindo e tudo de bom, mas é um tarado! Véio, cês acreditam que ele queria tirar foto da gente no motel pra colocar no flog dele?! Pô, tirar foto, tudo bem, né? Agora colocar na internet...

– E vocês tiraram fotos?!

– Tiramos.

– Caraca, véi!! Eu não tinha as cara de fazer isso...

– Ih, véi, mô normal. Eu tenho uma aqui no meu celular, ó.

– Gente, tô morrendo de fome. Vâmo comprar pão de queijo?

– Ah, não. Eu quero ver a foto.

– Vamo andando. No caminho a gente entra no banheiro e eu mostro, tem muita gente aqui.

E eu todo constrangido com o espelhamento das posições sociais e a volubilidade do narrador machadiano. Ao meu lado, no banco, se senta um casal de rapazes e começam a lembrar da “reive” e das "birita" que "rolaro" no sábado. Percebendo que o assunto periga descambar novamente para o lance das fotos, eu me levanto e resolvo ir para o trabalho.

A Unb não é um lugar para se estudar.

18 maio 2007

Funny Little Frog

Belle & Sebastian

12 maio 2007

Janela da alma

Janela da Alma é um filme que apresenta muitas questões, mas que trata, principalmente, da subjetividade do olhar. Seria assim tão óbvio o fato de cada um ver o mundo, a realidade, de uma forma diferente? Até onde vai o subjetivo, e onde começa o real? Quem, quando criança, já não se perguntou se os outros vêem as cores do mesmo jeito que nós? E depois de grandes, quem já não perdeu um pouco de seu tempo pensando sobre como o olhar pode ser algo totalmente relativo?

Dezenove pessoas com diferentes graus de deficiência visual, da miopia discreta à cegueira total, falam como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo. O escritor José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cineasta Wim Wenders, o fotógrafo cego franco-esloveno Evgen Bavcar, o neurologista Oliver Sacks, a atriz Marieta Severo, o vereador cego Arnaldo Godoy, entre outros, fazem revelações pessoais e inesperadas sobre vários aspectos relativos à visão: o funcionamento fisiológico do olho, o uso de óculos e suas implicações sobre a personalidade, o significado de ver ou não ver em um mundo saturado de imagens e também a importância das emoções como elemento transformador da realidade ­ se é que ela é a mesma para todos.