Segunda-feira blues
Quatro de maio de dois mil e sete. Unb, depois da aula de alemão. Resolvi estudar um pouco, pois não tenho feito muito disso nesse semestre. Como a biblioteca está fechada, por causa da greve dos funcionários, caminho pelo ICC em busca de uma sala vazia, mas não encontro. A Unb durante o dia é lugar ainda mais estranho do que de noite; os corredores estão sempre lotados de gente que não faz outra coisa senão existir em excesso no mundo.
Já que não encontro uma sala vazia, tento achar, ao menos, um lugar tranqüilo para ler um pouco. Ao lado da Faculdade de Comunicação há um banco vazio e, misteriosamente, o fluxo de pessoas não está tão grande quanto o do lado oposto. Decido ficar e pego um texto para ler. É uma crítica do Roberto Schwarz sobre que trata sobre a volubilidade do narrador machadiano.
Passam-se dois minutos e cinco meninas resolvem ocupar as vagas restantes do banco em que me sentei. Prossigo na leitura. Elas conversam sobre a vestimenta que usarão na formatura. Schwarz cita como exemplo da volubilidade o caso de D.Plácida, em Brás Cubas. Minhas vizinhas começam a se medir umas as outras.
O método utilizado por Machado de Assis, a narração totalmente parcial das situações, apresenta um painel dos costumes e da época muito mais efetivo do que as descrições “objetivas” dos escritores naturalistas, pois deixa perpassar pelo texto uma crítica social extremamente potencializada pela ironia do autor.
– Trinta centímetros de cintura!? Você come?? Nunca conheci alguém que medisse só trinta centímetros de cintura!!!
O retrato de D. Plácida, pintado por Machado de Assis, está próximo da crítica de Marx a respeito da visão materialista do trabalho.
– Minha bunda é muito grande... preciso de um número 50, pelo menos...
O espelhamento das posições sociais umas nas outras e na diversidade de estilos sociais históricos não desmancha a realidade das classes sociais, como pensam os puristas do ponto de vista popular.
– Gente, tô completando dois meses de namoro. E ainda tô apaixonada. O Caio é lindo e tudo de bom, mas é um tarado! Véio, cês acreditam que ele queria tirar foto da gente no motel pra colocar no flog dele?! Pô, tirar foto, tudo bem, né? Agora colocar na internet...
– E vocês tiraram fotos?!
– Tiramos.
– Caraca, véi!! Eu não tinha as cara de fazer isso...
– Ih, véi, mô normal. Eu tenho uma aqui no meu celular, ó.
– Gente, tô morrendo de fome. Vâmo comprar pão de queijo?
– Ah, não. Eu quero ver a foto.
– Vamo andando. No caminho a gente entra no banheiro e eu mostro, tem muita gente aqui.
E eu todo constrangido com o espelhamento das posições sociais e a volubilidade do narrador machadiano. Ao meu lado, no banco, se senta um casal de rapazes e começam a lembrar da “reive” e das "birita" que "rolaro" no sábado. Percebendo que o assunto periga descambar novamente para o lance das fotos, eu me levanto e resolvo ir para o trabalho.
A Unb não é um lugar para se estudar.
Um comentário:
é, Camarada, volta e meia ou também me constranjo "com o espelhamento das posições sociais e a volubilidade do narrador machadiano"...
você tá certo, tem gente demais no mundo, a maioria só serve pra ocupar espaço. E geralmente quem realmente vale a pena tá looonge...
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